A poucos dias da votação no referendo sobre a questão do aborto, no dia 11, gostaria de soltar alguns pensamentos que há muito já deviam ter saído.
Antes de mais gostaria de lembrar que a votação é sobre a
despenalização do aborto, e não sobre se são ou não a favor do aborto, são questões diferentes e independentes. Com todo o direito, podemos ser ou não contra o aborto, mas isso não implica que aprovemos a penalização de uma mulher que a isso se vê forçada. Ouvi, na rádio, há tempos, uma médica dizer claramente que iria votar sim no referendo, por ser a favor da despenalização da mulher, mas ser contra o aborto. Algumas pessoas poderão pensar que são questões indissociávieis e que a sôtora estaria a ser incoerente, mas faz todo o sentido a sua atitude. A todos que são contra o aborto, pensem muito bem se acham ou não que as mulheres devem ser julgadas da maneira que a lei prevê. É que se se está a matar uma vida humana, então que as mulheres sejam julgadas não por cometerem um aborto, mas sim por cometerem um homícidio qualificado e premeditado. Vai ser tudo melhor...
Do último referendo para este, notaram-se significantes melhoras, com uma maior intervenção de cientistas e técnicos de saúde, preocupados em explicar melhor ao povinho as questões por trás de um aborto, é louvável. Mas nota-se, também, do último referendo para este, uma intensa politização de um assunto que pertence ao campo da saúde pública, com as habituais figuras do panorama político nacional a proferir as suas correctas e, por vezes, bárbaras opiniões, é deplorável.
Todos sabemos que a maioria da direita irá votar "Não" e que a maioria da esquerda irá votar "Sim", mas não podemos associar o resultado do referendo a vitórias políticas. A não aprovação da despenalização não pode significar uma vitória do CDS-PP ou pior, ser considerada uma derrota do PCP ou BE, como acha Jerónimo de Sousa. E o contrário também se verifica. É ridículo ver políticos como Marques Mendes, em visitas a casas de apoio a jovens mães a fazer campanha, quando nas últimas eleições nem deveria saber da sua existência, dizendo que há estruturas para o acompanhamento das mães que não puderam ou não quiseram fazer um aborto.
A votação no dia 11 assenta, essencialmente, no direito à escolha da mulher e na possibilidade de se fazer um aborto, poder fazê-lo em segurança e com garantias. Abstenham-se de politiquices e votem conscientemente. Tirem da cabeça a ideia de que se vai banalizar o aborto, que não vai deixar de ser penoso e traumatizante apenas porque é legal, que não será nunca feito de forma leviana e irreflectida apenas porque é legal.
O aborto nunca deixará de existir, portanto votar "Sim" no próximo domingo e contribuir para a mudança da lei é assegurar melhorias no serviço de saúde pública, é assegurar que quem interromper voluntariamente a sua gravidez poderá fazê-lo sem risco de vida.
Eu sou a favor da despenalização da mulher e sou a favor do aborto. Um feto pode ser vida mas não é uma pessoa. E mais vale uma pessoa sã e capaz no mundo, do que duas pessoas em dificuldades atrapalhando-se uma à outra.