De volta? à ingrata escrita
Depois de uma longa pausa, que creio ter sido forçada, e à qual muito orgulhosamente gosto de chamar de licença sabática, resolvi, através de um excerto de uma obra sua, deixar que Vinicius de Moraes explique ligeiramente o interregno deste vosso querido espaço cibernético…
«Escrever prosa é uma arte ingrata. Eu digo prosa fiada, como faz um cronista; não a prosa de um ficcionista, na qual este é levado meio a tapas pelas personagens e situações que, azar dele, criou porque quis. Com um prosador do cotidiano, a coisa fia mais fino. Senta-se ele diante de sua máquina, acende um cigarro, olha através da janela e busca fundo em sua imaginação um fato qualquer, de preferência colhido no noticiário matutino, ou da véspera, em que, com as suas artimanhas peculiares, possa injetar um sangue novo. Se nada houver, resta-lhe o recurso de olhar em torno e esperar que, através de um processo associativo, surja-lhe de repente a crónica, provinda dos fatos e feitos de sua vida emocionalmente despertados pela concentração. Ou então, em última instância, recorrer ao assunto da falta de assunto, já bastante gasto, mas do qual, no ato de escrever, pode surgir o inesperado. (…)
Dias há em que, positivamente, a crónica “não baixa”. O cronista levanta-se, senta-se, lava as mãos, levanta-se de novo, chega à janela, dá uma telefonada a um amigo, põe um disco na vitrola, relê crónicas passadas em busca de inspiração – e nada. Ele sabe que o tempo está correndo, que a sua página tem uma hora certa para fechar, que os linotipistas o estão esperando com impaciência, que o director do jornal está provavelmente coçando a cabeça e dizendo a seus auxiliares: “É… não há nada a fazer com fulano…”. Aí então é que, se ele é cronista mesmo, ele se pega pela gola e diz: “Vamos, escreve, ó mascarado! Escreve uma crónica sobre esta cadeira que está aí em tua frente! E que ela seja bem-feita e divirta os leitores!”. E o negócio sai de qualquer maneira.»
Como nestes últimos meses o “negócio” não saiu de maneira alguma, por mais que quisesse, a única conclusão a que posso chegar é que, infelizmente, nunca passei de um aspirante a cronista…